Relatos da Vida Real


 Acredite, você não tem culpa de nada. Eu também não tive.



relatos da vida real


As lições que alguém que já viveu uma situação semelhante tirou desta história - e que você, tendo passado ou não por isso, também pode tirar
Imagine um ônibus em pleno sábado, às 6h. Quem sofre com a muvuca dos dias de semana logo pensa: vazioooo! Eu, pelo menos, pensava assim. O ano era 2002 e eu, uma adolescente que madrugava trabalhando em um cursinho pré-vestibular em troca de uma bolsa de estudos.

Entrei, fui direto para um banco da janela (privilégio de sábado, sabe como é) e, cansada, cochilei. De repente, alguém se sentou ao meu lado. Cheguei a protestar mentalmente, afinal, havia tantos lugares vazios! Mas o sono falou mais alto e voltei a dormir. Acordei com a pessoa se mexendo muito e, quando me virei, dei de cara com um homem segurando... bom, segurando aquilo que o faz um homem com H #sqn. Num movimento rápido, virei para a janela e voltei a olhar para ele. Por alguns segundos, nem meu inconsciente acreditou naquilo. 

Não sei como, mas levantei e fui para o corredor. Minhas pernas tremiam. Minha respiração estava ofegante. Achei que não conseguiria sequer alcançar o cobrador. Ao chegar perto dele, comecei a falar desesperadamente. Sentia meu corpo se desfazendo, como se a qualquer momento fosse desabar e virar um monte de pó - quem sabe assim eu poderia sair voando pela janela? Não precisei de mágica, pois o homem apertou o botão de parada e desceu. 

Para ele, era só esperar outro ônibus e, quem sabe, encontrar uma outra menininha para quem pudesse “se exibir”. Para mim, era um momento de medo, humilhação e total sensação de impotência, que só consegui superar tempos depois.



Na última terça-feira (3/3), uma adolescente de 16 anos do Rio de Janeiro encarou algo semelhante. A Bruna* (nome fictício, ok?) estava indo para a escola quando cochilou e, ao despertar, encontrou um homem com a mão embaixo de sua saia. Pelo Whatsapp, a garota pediu ajuda ao pai, que é taxista e começou a ir em direção ao ônibus. Ele acabou encontrando a polícia, que conseguiu prender o suspeito.

Nem preciso dizer que lembrei da minha história na hora, né? Procurei a garota, conversamos muito e, depois de digerir o fato e refletir bastante, aprendi (ou reforcei) algumas lições importantes para mim, para a Bruna, para você e para qualquer pessoa:

- Acredite, você não tem culpa de nada. Eu também não tive.
A Bruna estuda em um colégio de formação de professores e seu uniforme é aquela típica roupa de colegial: saia de pregas e camisa. "Os homens mexem muito com a gente na rua. Tanto é que criamos uma campanha dizendo que nossa roupa é uniforme, não fetiche sexual. Mas a ideia não é mudar o uniforme e, sim, a cabeça dos machistas", disse. 

Até hoje, eu me lembro da roupa usava naquele ônibus. Calça jeans e blusinha preta. Nada de perna de fora, nada de decote, nada. No início, pensava muito nisso, só para ter a certeza de que não estava com nada que chamasse demais a atenção. Mas espera aí, para tudo! O modo como me visto não tem nada a ver com isso! Não é o meu armário que precisa mudar! Afinal, ninguém tem que aprender a se proteger de um abuso. As pessoas têm que aprender que ele simplesmente não pode acontecer. 

P.S.: para ser machista, você não precisa ser um homem. Tudo é uma questão de mentalidade. 


    
- Confie no poder da sua voz e não se cale. Nunca! #GirlPower
"Na hora que acordei, perguntei o que ele estava fazendo. Ele pegou o celular e fingiu que nada havia acontecido. Na delegacia, eu o encarei muito, pois queria olhá-lo no olho. Mas ele desviou todas as vezes", contou a Bruna. Bom, ELA não poderia fingir que nada havia ocorrido. Assim como encarou o homem que a agrediu, a garota decidiu encarar o problema. "Depois que as notícias foram publicadas, várias pessoas vieram me procurar para contar que já tinham passado por coisas parecidas. Muitas vezes dentro de casa, com o próprio pai. Chorei bastante ouvindo essas histórias. Sinto que 'desabafei' por muita gente". 

Eu, por exemplo, não escondi o que aconteceu comigo, mas preferi não comentar nada com a minha mãe nem para o meu pai, para não preocupá-los, sabe?. Não alertei minha irmã, que pega ônibus todos os dias para ir à faculdade. Não me calei, mas poderia ter feito mais.

A Bruna aproveitou que no próximo domingo (8/3) comemora-se o Dia Internacional da Mulher e, junto com alguns amigos, organizou uma manifestação. O ponto de encontro será o Posto 5, em Copacabana (no Rio de Janeiro), às 13h30. Para divulgar o evento, foi criada a hashtag #EuMereçoRespeito. De lá, as pessoas seguirão para o Posto 4, onde se juntarão ao movimento do Dia Internacional da Minissaia, criado para defender o direito de mulheres usarem as roupas que desejarem sem ser desrespeitadas. 

Me representou! ;)

- Valorize seus amigos verdadeiros - o que inclui sua família  
"Vou estar sempre com você". Esta foi a frase que a garota ouviu do pai, um verdadeiro herói, vamos combinar! A família ficou ao lado dela o tempo todo. E com os amigos não foi diferente. "Tinha muito medo de que as pessoas me julgassem, mas comecei a receber um monte de mensagens de apoio. Minhas amigas enviaram fotos com cartazes, foi muito legal. Na quinta, resolvi voltar para a aula. Pedi para que ninguém comentasse muito o assunto e foi tudo bem. Meu pai me levou, mas, mesmo estando um pouco insegura, sei que tenho que voltar a ir de ônibus em breve", disse.  

- As pessoas nem sempre vão ajudar, mas é importante se manter forte
Se você acompanhou a história esta semana, deve ter visto que alguns sites mostraram prints da troca de mensagens entre a garota e o pai. Até falar com ela, eu não tinha percebido algo: a imagem de fundo do celular traz duas meninas dando um selinho - no caso, a Bruna e a irmã. "Algumas pessoas começaram a me julgar nas redes sociais por causa da foto", afirmou. 

É sério que diante de uma história como esta as pessoas perdem tempo espalhando o preconceito na internet? Tsc tsc tsc #prioridades.

- Transforme a dificuldade em aprendizado - é clichê, mas é verdade
Não pude deixar de perguntar que sentimentos vinham à cabeça dela quando pensava naquele homem. "Sinto raiva. E pena da família, que talvez nem tivesse ideia de nada ou, quem sabe, até sofresse com os abusos dele. Mas, depois de ver como eu representava tanta gente, decidi terminar essa história de um jeito feliz".

Eu também! ;)

*O nome da garota foi trocado para preservar sua identidade.

 fonte: Revista capricho







Thalyta Silva, que narrava luta contra câncer em blog pessoal, falece aos 18 anos


relatos da vida real




Eu tive câncer, mas o câncer nunca me teve". Esse era o lema da vida da Thalyta Silva, que em agosto de 2012, aos 15 anos de idade, descobriu que estava com câncer de ovário. Como o tumor estava relativamente grande, Lyta passou por uma cirurgia que deixou um dos ovários e uma das trompas de falópio comprometidos.

No início, um dos maiores medos da adolescente era ficar careca. Devido ao tumor maligno, Lyta passou por seis sessões de quimioterapia. Parecia que tudo estava indo bem. E realmente estava. Nesse meio tempo, Thalyta resolveu criar um blog pessoal para compartilhar o seu dia a dia de tratamento. Mas, em janeiro de 2014, a doença voltou. Foram identificados diversos tumores no corpo da Lyta: embaixo do braço, na barriga, no pescoço... A luta continuou, as sessões de quimioterapia foram retomadas e a jovem até chegou a passar o Natal em casa, após se recuperar de um vírus que resolver aparecer no último mês do ano: "(com a doença) dei mais valor a vida e a minha família; às pequenas coisas que achamos que não tem valor. Aprendi que tudo passa, nada é para sempre: nem as tristezas, nem as alegrias", chegou a revelar Lyta para a CAPRICHO em julho de 2014, durante uma conversa com a repórter Isabella Otto.

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Tudo passa... Após quase três anos de muita luta, Thalyta Silva faleceu na manha desta terça-feira, 20 de janeiro, mais precisamente às 5h20min, no hospital Santa Cecília, em São Paulo. O câncer havia retornado, dessa vez no fígado, e as plaquetas da jovem blogueira estavam muito baixas. "Agradecemos a todos que acompanharam a história dela desde o início da doença. E pelas palavras de carinho. Que Deus abençoe grandemente vocês", diz trecho de texto postado na página oficial da Thalyta no Facebook. 

Lyta se inspirava muito nas blogueiras Taciele Alcolea e Camila Coelho, estava sempre de bom humor e não via a hora de fazer uma matéria de superação para a CAPRICHO. Infelizmente, os planos não saíram conforme o planejado... Mas a vida tem dessas coisas e, hoje, a única certeza que temos é que Lyta alegra o céu com esse sorrisão lindo que sempre alegrou todos a sua volta.

"Eu tive câncer, mas o câncer nunca me teve."

fonte: Revista Capricho


Confissão! tenho a Língua solta, reconheço



Eu gosto de ver o circo pegar fogo! Quem trabalha em salão, sabe do que eu falo. As clientes me consideram uma espécie de "psicóloga da vida alheia".
Elas me relatam tudo com riquezas detalhes e eu vou só gravando as informações. Eu tenho um cérebro abençoado! Tenho pavor de conselhos, mas amo aconselhar aquelas pessoas vulneráveis, que esperam palavras amigas emanarem da sua "santa boca".
Bem, já apimentei relacionamentos adoecidos, já fui responsáveis por alguns divórcios, já fui também responsáveis por unir almas que se amavam e que precisavam só de um empurrãozinho, consequentemente fui madrinha de muitas clientes.
Bem, eu tento me controlar, mas um comichão toma conta de mim e escancaro, solto o verbo mesmo ! Já me arrependi por te falado demais, mas é algo realmente incontrolável.
Na minha vida, não permito que ninguém dê pitaco. Se começarem com muitas perguntinhas, eu corto logo e coloco esta pessoa no seu devido lugar.
Sou casada, tenho 1 filho e moro num apartamento sobre o meu salão. Infelizmente, meu marido está desempregado. Às vezes desconto a minha raiva em algumas clientes, dando-lhe conselhos " atravessados" ou seja, conselhos nada bons.
Já perdi muitas clientes, mas também ganhei outras. Sou uma boa cabeleireira, me dedico, desenvolvo minha profissão com prazer.
O ato de ter em minhas mãos cabelos sem vida, secos, maltrados pela falta de cuidados, sem corte e transformá-los em obra em arte, não é para qualquer um.
Sou um artista ! (risos). Pelo menos, considero-me uma, né ! Tudo por cabelos mais bonitos !
fonte: Confissões de Mulheres

*


Nome : Sarajane Camargo
relatos vida realCidade : Cuiabá - MT
Idade : 29 anos
Profissão : Estudante de jornalismo - Universidade : UNIC

Confissão:"Adoro frequentar velório de desconhecidos. "

Nunca soube o porquê. Eu costumo passar por capelas nos finais de semana ou durante a semana após as aulas.
Sou consumida por uma estranha agitação d' alma.  Eu preciso ver alguém numa urna, com o corpo adornado de flores, sejam jovens ou idosos. Vou até lá, cumprimento as famílias, como se as conhecesse a séculos. Gosto daquele cheiro de flores misturado ao de morte. Observo as coroas, as pessoas, a forma como se comportam e se vestem.
Em alguns casos tive dificuldades, pois a viúva acreditou que eu fosse amante do falecido. Afinal de contas, eu era pessoa mais do que desconhecida. Houve bate-boca e mal estar, tive que me retirar rapidamente do recinto, mas isso não me impede de comparecer a um velório.
Eu observo o cadáver por 30 minutos ininterruptos. Eu imagino o que esta pessoa, já sem vida, poderia de ter vivenciado, quantas aventuras, quantas decepções, seus medos e segredos... 
O mais estranho é que num determinado momento, sei o que esta pessoa vivenciou ou pelo menos acredito que sei, ou imagino. Na minha cabeça, crio um mundo de fantasia onde o falecido é o personagem principal.
A reação das famílias, em alguns casos, chega a ser até engraçada. Alguns membros se entreolham e me olham como se quisessem me perguntar : quem é esta mulher, o que ela tem a ver com o finado, nunca a vi em toda a minha vida etc. Eles normalmente me olham das cabeça aos pés, mas não se aproximam para fazer qualquer pergunta.
Gosto de causar este turbilhão de dúvidas e curiosidade nas pessoas, só nesta situação em especial.  Este clima me excita. Levo sempre comigo lindos arranjos de flores para impressionar até o morto (risos).
A minha avó me disse, uma certa vez, que a  sua mãe, minha bisavó, tinha esse hábito também. 
Meus pais e amigos íntimos não devem saber disso. Nunca me entenderiam. Coisas da vida, coisas inexplicáveis. 
fonte: Confissões de Mulheres





Paz Absoluta


"Em 1991, estava na calçada, esperando para atravessar a rua, quando um carro veio para cima de mim. Sofri um traumatismo craniano que me deixou em coma por três semanas. Tive a sensação de ter encontrado minha avó querida, que já havia morrido. Passeava com ela em uma praça. Podia até sentir a sua respiração. Era a paz absoluta. Só experimentei essa sensação novamente no parto do meu filho Miguel, três anos atrás."
Ana Cecília de Lima Quintana, 38 anos, técnica de computadores
fonte: http://veja.abril.com.br


COMO SE FOSSE APENAS UMA NOITE


"Em 2008, depois de participar de uma prova de jet ski, decidi ficar mais um pouco na água. Era fim de tarde, o sol estava na altura dos meus olhos, quando fui surpreendido por outro jet ski, que bateu na minha cabeça. Fiquei durante doze dias em coma. Mas foi como se eu tivesse dormido em um dia e acordado no outro. Não me lembro de absolutamente nada desse período. Quando abri os olhos, fiquei aflito por não reconhecer o lugar em que estava. Mas logo ouvi minha mãe dizer que me amava. Encontrei o chão com aquelas palavras."
Atef Zein Sammour, 15 anos, estudante



Dez Dias de Vazio


"Aconteceu no ano passado. Tudo começou com uma dor de cabeça muito forte. Estava no banho, depois de um dia normal de trabalho. Comecei a vomitar. Assustada, chamei meu pai e ele me levou para o hospital. Durante a consulta com o médico, minha língua, meu nariz e minha boca adormeceram. Apaguei. Só soube que havia sofrido um aneurisma cerebral dez dias depois, quando acordei do coma. Foram dias de vazio absoluto para mim. É como se esses dias não tivessem existido em minha vida."
Taissa Rivero Hernandes, 22 anos, analista financeira
fonte: http://veja.abril.com.br

Depoimento que por relato, conta a vida de uma mulher que saiu da cadeia, como é a vida na prisão e o recomeço.



Como Egressas, após o cumprimento de suas penas, cada Mulher tem uma forma diferente de olhar “a nova realidade.” Isso porque, as que cumprem penas extensas, perdem muito mais a noção do mundo fora das grades do que as que ficam menos tempo encarceradas.

Embora as mudanças comportamentais, se manifestem em todas, algumas por ficarem menos tempo encarceradas, já conhecem os avanços tecnológicos e as obras construídas que se destacam em meio às metrópoles ou mesmo as pequenas cidades.

R..... passou doze anos na condição de pessoa presa, seu delito: Artigo 121 do C.P.P., ou seja, Homicídio. Muito do que viu e viveu nas unidades prisionais pela qual passou, sabe que nunca ira esquecer, mais já em liberdade há um ano e três meses, tenta recomeçar sem martirizar o drama passado.

O nome usado é fictício, porém, no real relato de "Ana Elisa", que cumpriu doze anos de pena.

-“Fiquei presa doze anos, por homicídio. A vida na cadeia nos limita e quando saí pude perceber que perdi a noção de quem eu era. Minha liberdade parecia algo impossível, e com o tempo fui me adaptando à cadeia como o próprio sistema nos condiciona. Claro que assistia televisão, e por meio dela, tinha uma noção muito pequena do mundão aqui de fora.

Num presidio de mulheres, ou penitenciarias femininas as encarceradas na maioria das vezes, se limitam á vida atrás das grades.

Talvez eu tenha errado em não ler, como muitas, já que tínhamos a biblioteca e acesso aos livros.


Bem, na hora que meu nome foi gritado na galeria, já fiquei com medo, não sabia o porquê me requisitavam naquele horário, porque as trancas que se fecham as 18h00min já tinham “batido” há muito, até a contagem há havia sido feita.
Quando nos chamam, principalmente depois do horário da contagem é pra ter receio... Mais na verdade, era pra arrumar minhas coisas, porque meu alvará de soltura havia sido expedido. Na hora, não pensei nada, fiquei em estado de choque e os meus pertences, que não passavam de cartas e uma bolsa velha, foi o que peguei com a maior rapidez.


Não dá tempo de se despedir das amigas que fazemos mais no meu caso, por ser antiga na unidade, as meninas gritavam felizes e puderam acenar pela boca da cela. Berrei para as que ficaram e sai... Na prisão, eles dão com muita má vontade (nem sempre lógico) um único telefonema pra que alguém que a gente indique, possa nos buscar. Como não pode ser numero de telefone celular, dei o telefone da minha cunhada. Ela nunca me visitou, mais eu sabia que meu irmão receberia o recado.
Sai com o uniforme da cadeia, um passe de ônibus que um agente penitenciário me deu e com “meus estimativos pertences”.


Já no portão da cadeia, fiquei perdida entre o lado de dentro e a rua. Tinha perdido a noção das horas, porque na cadeia o tempo não passa, e imaginava que seriam muitas as horas que eu teria que esperar. Olhava com vontade de andar, mais não conseguia sair do lugar, o pânico das luzes que ofuscavam minha vista, tão acostumada com o amarelão do cárcere, deixava a sensação estranha de que eu não estava vivendo nada daquilo. Pensei que tinha morrido e estava em outra vida, cheguei até a pensar em me jogar debaixo de um carro, pra ter certeza que não era devaneio.


Até que com toda a grosseria normal o guarda da portaria, mandou-me sentar em outro lugar, ele não me queria no portão. Tudo bem, faz parte.
Não vou dizer que fiquei infeliz não, porque ao receber o estúpido advertido, tive a certeza que estava de fato livre.
Quando meu irmão chegou com a minha cunhada, me abraçou e choramos, mais não é assim com todas. Muitas não conseguem avisar ninguém e saem vagando pelas ruas, perdidas.


Meu irmão foi sensacional, mais naquela noite não falei com a minha mãe, (moramos hoje eu, ela e meu irmão caçula) fui para a casa do meu irmão. Ele pediu pizza, quantos anos que eu não sabia o que era uma fatia de pizza...
Tive receio do que me esperava, achava que estava escrito na minha testa, ex-presidiária, particularmente eu acreditava que teria que dar explicações a cada um que cruzasse meu caminho, afinal, doze anos são doze anos.

Eu pensava o que as pessoas vão dizer? O que eu irei falar? 
Fiquei inventando histórias pra responder caso fosse questionada, mais ninguém me perguntou nada! Afinal, minha família e as pessoas próximas, sabiam o que eu tinha feito e ninguém ficou me apontando. Só, que eu precisava sentir (e ao mesmo tempo não queria) a reação de todos que eu iria encontrar. 
Imagina doze anos na prisão, não sabia o que era um computador, uma câmera digital, não imaginava o brilho a mais que a cidade ganhou.


Tanto tempo presa, perdi minhas referencias como ser humano, tinha pressa em resgatar o tempo perdido, precisava regularizar meus documentos, fazer um curso, arrumar trabalho, recomeçar. 
Como se fosse fácil... E eu ainda tive sorte, porque minha formação antes da prisão foi muito boa. Recebi uma educação com base e tentei não me influenciar completamente pelo cárcere, mais a maioria das mulheres que saem, encontra outra realidade, sem perspectivas e abandono mesmo. Não fui atrás das velhas amizades, porque estas nunca me escreveram e o fundo a gente sabe que a discriminação acontece e não podemos obrigar as pessoas a entenderem.


Hoje, estou cursando secretariado e trabalhando em uma loja de artigos importados mais não foi fácil, passei pelo tele marketing (quase todas passam) e estou formando novo rol de amigos. 
Dessas pessoas novas que me cercam e entraram na minha vida, nunca revelei meu passado, não tenho coragem. Pode ser que daqui uns anos eu resolva mostrar a minha cara e a minha história de vida, sem receio, por enquanto ao posso. Infelizmente, nem todos compreenderiam e eu não tiro a razão de ninguém, mais também não “estou a fim” de dar mais explicações ou passar por interrogatórios de curiosos, correndo o risco ainda, de perder a pouca oportunidade que a vida por si só esta me dando.


Recomeçar é difícil sim, quero frisar, eu sou uma das pouquíssimas exceções das que saem dos presídios depois de cumprirem suas penas, e conseguem uma oportunidade de resgate social. Ainda não me encontrei completamente, faço terapia e espero conquistar muitas coisas sonhadas desde a infância.


Como minha experiência gostaria de deixar uma mensagem, para que as mulheres, principalmente as meninas, que estão envolvidas com 'gente errada' não pensem que alguns casos viram manchetes de jornais e tornam umas acusadas famosas, crente ser isso bacana. Não existe lugar pior que cadeia, e 'Estrelas do crime é pura ficção'... Nada vale mais do que nossa liberdade de ir e vir. Saibam que o que se perde pelos anos na cadeia, não se recupera jamais”.
fonte: http://www.eunanet.net




Depoimento de uma mãe que adotou: "Não queria ter uma barriga. Queria um filho, queria ser mãe"


O trânsito caótico da Avenida Santo Amaro, na Zona Sula de São Paulo, passa a três quadras da casa de Flávia Miranda de Oliveria, 33 anos, professora de educação infantil e psicóloga, e Ricardo Peev, 38 anos, jornalista. Os sons das freadas e das buzinas não chegam até lá. Por sorte do casal, há uma calmaria rara nesse cantinho da capital paulista. Flávia me recebe numa tarde de quinta-feira de sol e calor intensos. Nem bem atravesso a porta que leva à sala, escuto gritinhos de um bebê que tenta se comunicar. No mesmo instante, algo muda em Flávia. O brilho de seu olhar se torna mais forte, e ela não consegue esconder o quanto está radiante por ter se tornado mãe. Essa felicidade começou em fevereiro, quando Ricardo contou, por telefone, que Davi, hoje com 7 meses, nasceria dentro de dois meses em São Luís, Maranhão. Assim, sem rodeios, ela começa a me contar a história de amor e de adoção entre ela e o filho. "Cada vez que eu reconto, me aproprio mais dela", diz, com olhos marejados. Faz uma pausa, toma um gole de café, e volta a sorrir.

O casal tentou engravidar por cinco anos. "Parece que um mês vira um ano. Um belo dia eu disse: chega!” Ela conta que,inconscientemente, se aproximou de casais que tinham adotado. Em uma festa, o avô da aniversariante, também adotiva, disse a Flávia: “Só falta você.” Na hora, ela diz ter ficado com raiva. Mas sentiu também que ele colocou nela a sementinha da adoção. Dois anos mais tarde, Flávia entendeu o que leva casais aterem um filho por outro caminho. “Não queria ter uma barriga. Queria um filho, queria ser mãe. A gravidez pode ser um caminho. Mas não existe só esse.” Não levou muito tempo até entrarem na fila para adoção. 

Contar para os familiares foi o segundo passo. Flávia deu a notícia aos pais dela durante um jantar, dizendo que ela e o marido estavam pensando em adotar – quando na verdade já tinham se decidido. Ela faz uma pausa para segurar com os dedos as lágrimas que insistem em sair. Levanta-se do sofá e imita os gestos do pai, como se estivesse revivendo tudo. “Ele me abraçou chorando. Dizia ‘filha querida, você está me dando um presente. Nunca te falaria isso, mas sempre pensei nisso para você, e não como prêmio de consolação.”Também falaram, com carinho, aos filhos que Ricardo teve no primeiro casamento, Mário e Marina. Mais que adorar, todos celebraram. 

O quarto foi decorado em apenas dois meses, logo após o telefonema. Ovelhas zelam pelo sono do pequeno. Na gaveta da cômoda, os pais começaram a montar uma biblioteca infantil. Por lá está a coleção de carrinhos com os quais em poucos meses Davi vai adorar brincar. Enfeitam a parede dois quadros feitos por uma amiga artista plástica. Ali está a história de Moisés, que chegou aos braços da princesa, filha do faraó, em um cesto pelo rio. Para ela, é uma representação simbólica da chegada de Davi. 

Hoje Flávia olha para o filho e não lembra das dificuldades que passou. Uma delas foi viajar, ao lado da mãe, para São Luís. Ricardo só poderia se afastar do trabalho por uma semana. Então, embarcaria assim que os papéis da guarda provisória fossem liberados. A mãe biológica do bebê, em um processo chamado adoção direta, abdicou dos direitos legais sobre o filho e escolheu um casal para entregá-lo. No caso, Flávia e Ricardo. Um casal de amigos fez o intermédio. “É como se estivesse cada vez mais perto de realizar um sonho”, diz. Davi parece saber que estamos falando dele. Flávia lhe manda um beijo e ele, num gesto de cumplicidade, gargalha.


Instalada em São Luís, Flávia decidiu, três dias antes do parto, programado para uma quarta-feira, passar as roupas do enxoval. Naquela madrugada, o advogado, que fez o intermédio entre as duas famílias, ligou avisando que a bolsa da mulher tinha rompido e que estavam indo para uma clínica, paga pelo casal. “Foi como se tivesse sentido as contrações também.” 

Ela e a mãe permaneceram em uma ante-sala ao lado da sala de parto. Quando Davi nasceu, ela ouviu o primeiro choro do filho. Minutos depois, ainda enrolado na toalha, ele foi ao encontro do peito dela. Flávia tinha feito estimulação para ter leite. “A sensação de amamentá-lo foi indescritível”, diz. Daquele momento em diante os outros problemas deixaram de existir, tudo ficou menor. Agora ela tinha o Davi. 

Ricardo viajou duas semanas depois. Ligava incessantemente e chorava ao telefone. Ele sofria ao pensar que o filho não o reconheceria. A volta para casa foi o momento com que Flávia sonhou desde que ouviu falar de Davi e o amou, antes mesmo de conhecê-lo. Fazemos uma pausa para o lanche da tarde do menino.Manhoso por conta da dor do nascimento de dente, ele rejeita a papa de frutas. A mãe aconchega-o no colo e a irritação passa. Da janela da sala, somos vigiados pelo cão de guarda, um mix de vira-lata com boxer. Ele é o protetor de Davi. Foi comprado um mês depois do nascimento do bebê. O nome foi escolhido a dedo –e não poderia caber melhor: Golias. 

Quando Davi adormece, pergunto como eles pretendem contar ao menino sobre a adoção. Mesmo sorrindo, Flávia se emociona e caem as lágrimas novamente. Não é um choro de lamentação, é felicidade. Davi parece ter curado Flávia. Antes ela vivia a ausência, a impotência. Davi foi o sim. Ela quer contar a ele a história inteira, que não precisa ser de rejeição, e sim de aceitação, sem rótulos ou estigmas. “Ele não é adotivo, ele foi um dia adotado. Hoje ele é meu filho legítimo.”
fonte:http://revistacrescer.globo.com




“Atravessei o país para ajudar uma família no Sertão do nordeste”


Geize Mantoani reuniu os filhos, a sobrinha e o marido e saiu de Cuiabá, no Mato Grosso, em direção ao interior de Alagoas. A viagem durou três dias e tinha como objetivo levar comida a uma mulher idosa, um rapaz e duas crianças. A aventura ganhou o segundo lugar na 12ª Promoção Eu, Leitora, realizada por Marie Claire em parceria com a joalheria H. Stern. Geize recebeu um par de brincos Benguelê, de ouro amarelo, ouro nobre e brilhantes
Sou casada há mais de 25 anos com um homem maravilhoso, paizão, amigo e companheiro. Com ele formei uma família com quatro filhos e dois netos muito queridos. Nesses anos todos, passamos bons momentos juntos. Mas também enfrentamos alguns problemas sérios, como a falência do nosso restaurante em Campo Grande, no Mato Grosso, e a transformação total do nosso padrão de vida. Mas, graças à nossa união e garra, conseguimos dar a volta por cima. Criamos, então, um espírito maior de solidariedade e uma cumplicidade enorme. E isso nos incentivou a viver a nossa grande — e melhor! — aventura em família.
Tudo aconteceu em dezembro de 2005. Certa noite, meu marido ficou impressionado com uma reportagem sobre a seca e a fome no Nordeste, apresentada no Jornal Nacional, na TV Globo. Eu estava descansando na sala, quando ele me chamou aos gritos para ir até o quarto ver a triste história de uma família pobre de Alagoas. Ao chegar lá, assisti à cena de duas crianças tomando um caldo fraco, mistura de farinha com açúcar. Elas tinham 4 e 6 anos, mas pareciam ter 2 e 4, de tão fracas e magrinhas que eram. Fiquei chocada e emocionada. Nunca tinha visto tanta miséria em minha vida. Então o Vilamir disse: ‘Precisamos fazer algo por essa família’. Nós ajudávamos instituições de caridade, mas nunca tínhamos nos lançado em uma viagem desse porte. Sem hesitar, respondi: ‘Vamos até lá!’.

Na época, eu, meu marido e meus quatro filhos, morávamos em Cuiabá, no Mato Grosso. E a família que queríamos ajudar vivia a 200 km de São José da Tapera, bem no sertão de Alagoas. Não sabíamos que a distância entre a nossa casa e a deles era de aproximadamente 4 mil km, mas tínhamos certeza de que a viagem seria longa. Mesmo assim, naquela noite comecei a programar a nossa grande e maravilhosa aventura. Liguei para a minha filha, que estava em Campo Grande, e fui avisando: ‘Filha, volta logo para casa. Nós precisamos ajudar uma família’. Ela ficou superfeliz, convidou a prima para viajar com a gente e as duas tomaram logo um avião para Cuiabá. Assim que elas chegaram em casa, só trocaram a mala, separamos uma sacola de roupas usadas e preparamos nossa caminhonete, uma S10 com cabine dupla.

No dia seguinte, 17 de dezembro, às 7 horas da manhã, estávamos na estrada. O Vilamir, então com 49 anos, era o motorista. Eu, com 41 anos, minha filha e minha sobrinha, ambas com 15 anos, e meus filhos gêmeos, com 11, começamos a viagem na maior paz e alegria. Levamos lanche para todos e cantávamos durante o trajeto. A primeira parada foi em Rondonópolis e no final do dia chegamos a Goiás para dormir. Levantamos cedo, tomamos café e seguimos viagem até Brasília, sempre com um grande desejo de chegar ao nosso destino.
A partir desse ponto, no entanto, a viagem começou a ficar mais cansativa. A gente não encontrava muita comida do nosso agrado nas paradas e comíamos apenas frutas. Nos postos de gasolina, as pessoas nos avisavam que havia assalto nas estradas. O caminho era muito esburacado e nós tínhamos de ir mais devagar. Então, toda hora se aproximavam pessoas suspeitas do mato, ao lado do acostamento. Elas se ofereciam para tapar os buracos com areia em troca de dinheiro. Ficamos com medo e meu marido, que já estava cansado de dirigir o tempo todo, pensou até em desistir da nossa aventura. Ele achava que a gente estava arriscando a vida das crianças. Para piorar a situação, minha filha sentia náuseas e precisava tomar remédios a cada duas horas. E, quando a gente parava para descansar, só encontrava hotéis bem ruins à beira da estrada.

A pior parte do percurso foi na Bahia, quando faltavam uns 700 km para chegar a Alagoas. No fim da tarde, a visibilidade diminuiu muito. Aí um carro tentou desviar de um caminhão e veio na nossa direção. Parecia que ia bater de frente com a gente. Meu marido jogou o carro no acostamento e o outro motorista fez a mesma coisa. Paramos a poucos centímetros um do outro. Não aconteceu nada com o carro nem conosco, mas tomamos um grande susto. As crianças ficaram apavoradas e levamos um bom tempo para nos recuperarmos do choque.

A cada dificuldade, entretanto, nosso coração ficava mais forte para cumprir nossa missão. Estávamos felizes com a possibilidade de ajudar aquela família. Nós sabíamos que a senhora de 75 anos criava duas crianças e todos eram bem pobres e desnutridos. Não tinham o que comer e eram muito simples. Durante os três dias de viagem, procurei mostrar aos meus filhos e à minha sobrinha a força da caridade, as diferenças das pessoas e a cultura de cada lugar. Queria que aquela viagem fosse uma grande experiência de vida para eles.

Ao chegar a Alagoas, percebemos de cara a desigualdade social, o contraste entre as grandes fazendas e as casinhas bem pobres. E isso tocou ainda mais nosso coração. Fomos, então, para um hotel, deixamos nossas malas lá e nos dirigimos imediatamente para a emissora de televisão, que mostrou a matéria sobre a família da dona Maria. Queríamos o endereço dela para ir até lá. Todos ficaram admirados quando a gente contou que tinha visto a reportagem, saído de Mato Grosso, atravessado vários Estados e viajado três dias para ajudar aquela família em São José da Tapera. Perguntaram se éramos políticos e respondemos que não. ‘Somos apenas pessoas que se emocionam com o sofrimento do próximo. Nossos coração dói quando vemos famílias que precisam de muito amor, carinho e respeito’, dissemos.

O repórter Amorim Neto, da TV de Alagoas, afiliada da Rede Globo, formou uma equipe para nos acompanhar até a casa da dona Maria. A ideia dele era sensibilizar outras pessoas para ajudar os mais pobres. Num primeiro momento, meu marido não queria ir com esse grupo porque a gente não desejava expor a nossa aventura em rede nacional. Queríamos ajudá-los sinceramente e por isso participamos dessa aventura. Mas eles insistiram tanto que acabamos concordando. E deixamos tudo acertado: às 5 horas da manhã iríamos finalmente ao encontro da família no sertão de Alagoas. No final desse dia, eu, meu marido e meus filhos passamos num supermercado em Maceió. Compramos um pouco de tudo para mais de um mês: toalhas de banho, produtos de higiene, brinquedos, chupeta, bolacha, feijão, arroz, água, carne-seca e muito mais. Foi emocionante ver as crianças com tanta vontade de ajudar outras crianças, escolhendo um monte de coisas para elas. Fiquei com lágrimas nos olhos e com orgulho de todos.

Como o combinado, no dia seguinte saímos bem cedinho do hotel em direção ao sertão nordestino. A seca era tanta que parecia que estávamos no deserto. Nossa caminhonete atolou várias vezes nas valas de areia. E todo mundo tinha de descer para empurrar o carro. Num determinado horário, quando o sol estava forte e a lataria do carro muito quente, minha sobrinha e minha filha até queimaram as mãos. Morri de pena delas, mas sabia que faltava muito pouco e valia a pena o sacrifício. Depois que viajamos várias horas, com sede e com fome, chegamos a um lugarejo, com poucas casas e um mercadinho. Então paramos ali para deixar compras pagas por um ano para aquela família que queríamos ajudar. Com o testemunho da equipe de TV, firmamos o compromisso com o dono do mercado de que eles teriam acesso a tudo o que precisassem no próximo ano. Seguimos viagem, com frutas, água e muita alegria a bordo. Apesar do cansaço, aquilo tudo estava sendo supergratificante.

Logo depois, paramos na estrada para pedir informação para um moço. E ele disse que conhecia a dona Maria. Era um rapaz muito humilde e sofrido. Imediatamente, o chamamos para ir de carro com a gente até a casa dela. No caminho, ele nos contou que a dona Maria o tinha criado desde pequeno e que o ajudou a educar os dois filhos, Eraldo e Evaldo, de 4 e 6 anos, que vimos na reportagem da TV. Ficamos impressionados com a coincidência e percebemos que estávamos no caminho certo.

Quando chegamos a 100 metros do lugar onde a família morava, parecia que eu estava vendo um quadro com uma casinha de sapé, muito, muito pobre. E o mais incrível: sem saber de nada, sem conhecer a gente, parecia que a dona Maria estava nos esperando na porta. Era uma mulher humilde e sofrida, mas com um jeito sábio e uma voz bem firme. Ela nos olhava com carinho e gratidão.

Entramos na casa, que tinha uma sala e uma cozinha. Lá, havia muita mosca nas paredes, não tinha fogão, todo mundo comia aquele mesmo mingau de farinha e açúcar, as crianças eram muito magrinhas e tinham o nariz escorrendo. Todos dormiam em uma tábua com forro, as paredes eram cheias de frestas e o chão de terra batida. Era impressionante a pobreza. Um dos meninos pegou na mão do meu marido, todo envergonhado, num gesto de agradecimento. Meu marido começou a chorar como uma criança. E a gente também. Não conseguíamos falar nada. A gente só mostrava o que tinha trazido e chorava.

Quando conseguimos parar de chorar, contamos para a dona Maria o que pretendíamos fazer: adotá-los por um ano, deixando tudo acertado no mercado local. E retornar no ano seguinte para dar prosseguimento a esse projeto. Dona Maria ficou emocionada e agradeceu demais a nossa ajuda. Com um jeito de mulher guerreira, ela nos contou que criou o rapaz e agora as crianças com muito amor e carinho. A visita e a conversa foram curtas, mas todos nós ficamos contentes em ajudar uma doninha tão especial. Tivemos a certeza de que faríamos tudo de novo.

No dia seguinte, voltamos para a estrada com um objetivo na cabeça: chegar a Cuiabá antes do dia 25 de dezembro, para passar o Natal com meu filho Humberto, então com 21 anos, que não foi com a gente porque ficou cuidando da nossa loja de frios. A viagem de volta também foi cansativa, mas voltamos mais felizes, com aquela sensação boa de dever cumprido. Chegamos em casa buzinando e cantando, fazendo a maior festa. Nesse mesmo dia, passou na TV a reportagem do nosso encontro com a dona Maria e sua família. Não deu tempo de a gente assistir, mas nos dias seguintes várias pessoas ligaram para casa parabenizando a gente.

Um ano depois, meu filho Humberto, minha nora, Rosângela, e minha netinha, Isabelle, foram ao sertão de Alagoas para encontrar dona Maria, seu filho e seus netos. Mas, ao chegar lá, eles ficaram sabendo que a dona Maria tinha falecido havia pouco tempo, o rapaz tinha sumido e as crianças tinham sido adotadas por uma família de outro local. Ninguém mais sabia do paradeiro deles. Nem mesmo o repórter da TV Globo tinha notícias daquela família. Fiquei triste porque, de alguma forma, gostaria de fazer parte da vida deles para sempre.

De todo modo, essa aventura foi uma grande lição, que vivemos com muita emoção. Todos, principalmente meus filhos, aprenderam a importância de ajudar os outros. E até hoje a gente continua a fazer isso com instituições de caridade, creches infantis e comunidades pobres. E o melhor de tudo: a partir dessa experiência, nossa família ficou mais feliz e unida.
fonte| http://revistamarieclaire.globo.com
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"Tive um filho com um mendigo"


A professora curitibana Lúcia*, 43 anos, apaixonou-se por um sem-teto e o levou para casa. Ele chegou a trabalhar, mas voltou para a rua. Entre idas e vindas, ela acabou engravidando quando já estavam separados. Sofreu agressões, buscou proteção judicial e terapia... Hoje, superou a crise, o filho tem dois anos e conhece o pai, mas não toda a história


gravidez, banco de praça


Por Depoimento a Alexandre de Santi e Cristine Kist


“Em 2007, eu cursava a faculdade de Letras e, num fim de tarde, antes de ir para a aula, resolvi parar numa praça ali perto. Repassava mentalmente o conteúdo que cairia numa prova sobre Shakespeare quando um homem parou na minha frente e ficou me encarando. Como se me desafiasse para um duelo, ele disse: ‘A vida é um jogo: ou você perde ou você ganha. William Shakespeare’. Nem sei se a frase existe, mas a coincidência me impressionou tanto que, na hora, comentei com aquele moço que nunca tinha visto que teria uma prova sobre o autor. Ele perguntou meu nome. ‘Lúcia’, respondi. O dele era Valter. Vestia um blusão, estava com a barba por fazer, lembrava um pouco o Che Guevara. Era de uma beleza rústica, diferente. Podia ser um estudante, levei algum tempo para entender que ele morava na praça e que eu estava invadindo seu espaço. Ele me disse que tinha 38 anos, exatamente como eu naquela época. Só depois descobri que ele tinha apenas 28. 

Fase difícil 
Valter quis saber por que eu parecia tão triste. Expliquei que passava por fase complicada. Aquele tinha sido o ano mais difícil da minha vida. Perdi meu pai, meu irmão sofreu um grave acidente e meu ex-marido tinha levado nossas duas filhas para morar com ele em Santa Catarina. Depois de um casamento de dez anos, nós tínhamos nos separado cordialmente e, como minha vida andava difícil, meu ex perguntou se as meninas, então com 6 e 11 anos de idade, poderiam ir morar com ele, concordei. Sou mãe de outra garota, fruto de um namoro adolescente, mas ela já é moça e independente. Venho de uma família de classe média alta. E, na infância, tive todo conforto. Mas, depois que meu pai se aposentou, perdemos quase tudo. Restou a casa da minha mãe e a minha, construída no mesmo terreno. 

Não contei tudo isso ao Valter, apenas confirmei que estava triste. Ele retrucou que a vida era maior que os meus problemas. Apontou a Lua despontando no céu e disparou outra citação: ‘Vai atrás do teu desejo, encontrarás tua verdade’. Engatamos uma conversa, eu disse que era estudante mas já dava aulas e, no final, ele me falou que eu não tinha amor próprio, que deveria estar estudando ou lecionando, e não perdendo tempo na praça. Levada pelo momento – e meio de brincadeira – respondi que tinha uma fantasia: largar a vida de professora, virar prostituta e trabalhar ali na praça. Valter respondeu que para essa profissão eu já tinha “passado da idade” e que não ganharia “nem mais que R$ 50 nem menos que R$ 15” pelo programa. Perguntei quanto ele tinha, ele respondeu que tinha R$ 10. Sem pensar, fiz um sinal de que aceitava. A verdade é que o achei encantador e era a primeira vez que eu me interessava por alguém desde a separação. 

Mas ele não tinha dinheiro nenhum, foi pedir para um sapateiro ali perto, e fiz de conta que não vi. Só quando voltou, percebi que a manga de seu casaco estava rasgada. Fomos direto para um motel. Ele continuou me surpreendendo. Foi sensível e carinhoso comigo. No final, depois de uma transa deliciosa, realizou a minha fantasia 
e me pagou. Quando saímos dali, me levou para a beira de um lago próximo e me abraçou. Nesse momento senti medo e me dei conta de que tinha transado com um mendigo. Acho que ele percebeu, pois quando eu disse que ia embora,me segurou. Perguntou se eu não acreditava que o destino tinha me colocado no banco da praça. 
Respondi que acreditava e fui embora, mas deixei meu telefone. 

Medo e expectativa 
No outro dia, mesmo transando de camisinha, acordei apavorada e marquei todos os exames possíveis para saber se tinha contraído alguma doença. Felizmente, os resultados não apontaram nada. Pouco tempo depois, o Valter ligou e pediu que fosse até a praça procurá-lo. Fiquei em dúvida,mas acabei indo. Então, ele me contou que vivia na rua há anos, fazendo bicos, e que tudo o que precisava para arrumar um emprego e mudar de vida era ter motivação. Segundo ele, essa motivação era eu. Dez dias depois desse encontro, Valter me ligou pela segunda vez. Agora para contar que estava empregado em uma cabanha, uma espécie de haras. Disse que eu era a razão de ele ter conseguido aquele trabalho e, por isso, queria me oferecer um churrasco. Deixei o telefone da cabanha com a minha mãe e fui encontrá-lo. 

Quando cheguei lá, não consegui acreditar no que vi. Valter era outro homem. Estava lindo de jeans e barba feita, e o lugar era inspirador, verdejante com muitos bichos e fartura.Começamos a namorar nesse mesmo dia. Achei que ele tinha potencial para crescer no trabalho. Criei a expectativa de que faria terapia para se curar dos traumas da rua e que conseguiria se reintegrar na sociedade. Ele me deu uma bombacha de presente e me apresentou a um mundo que eu não conhecia. Por dois meses, passei a visitá-lo todos os finais de semana, achei que poderia passar minha vida ao lado daquele homem. Convidei-o para jantar com a minha mãe. Ele fez questão de ir todo arrumado e se saiu bem, até preparou uma massa para nós. Eu só tinha contado para minha mãe que ele era pobre, vivia de bicos e alugava um quartinho. Às vezes, ele fazia isso mesmo, mas eu não contei que ele alternava a pensão barata com longas temporadas na rua. Algum tempo depois, minha mãe implicou com Valter. Num fim de semana em que ela estava fora e ele veio ficar comigo, me pediu para usar o computador dela e eu deixei. Por acaso, ela ligou justamente nesse momento. Ele atendeu e ela ficou coma pulga atrás da orelha por ele estar lá, na sua escrivaninha, sem a sua autorização.


conflito


Conflito em casa 
Em dois meses, Valter largou o emprego porque só recebia casa e comida, queria um salário. Quando saiu de lá, perguntou se podia passar uns dias na minha casa. Ficamos mais ou menos um mês vivendo como casados, o que reforçou a desconfiança da minha mãe. Um dia, ela viu um documento dele em cima da mesa e resolveu investigar o nome na polícia. Descobriu que Valter tinha uma enorme ficha de pequenos furtos. Quando ela me contou, meu mundo caiu. Minhas teorias sobre transformação social foram destruídas, percebi que ele não era apenas uma vítima da sociedade, mas também um de seus algozes. Quando o questionei, ele se defendeu, dizendo que, para quem teve pai e mãe, era fácil julgá-lo, mas ninguém oferecia um pedaço de pão quando ele estava na rua. Depois disso, tentei saber mais sobre sua vida, conversei com outras pessoas que circulavam na praça onde o conheci. Tudo o que me disseram, era o que eu já sabia: ele nasceu em outra cidade e sua mãe havia morrido quando era muito novo. 

Nessa época,um milagre aconteceu: um amigo do Valter que tinha uma casa para alugar deixou ele passar um tempo lá. E o vizinho o indicou para cuidar de outra cabanha, bem maior que a anterior. Cheguei a cortar o meu cabelo de graça num dos salões mais caros da cidade, porque um dos cabeleireiros tinha um cavalo lá e gostava muito dele. Mas minha mãe era contra, não queria que nós nos encontrássemos. Como minha casa ficava no quintal dela, passei a abrir a janela escondido para ele entrar. No total, namoramos uns dois anos, mas nunca foi simples. Rompemos e, nas férias, viajei para ficar com minhas filhas. Na volta, tivemos uma recaída e acabei engravidando quando já não estávamos mais juntos. A essa altura, já sabia que trocar de emprego, ir e voltar para a rua era o seu padrão. É assim até hoje. Quando o conheci, meu sonho era ser mãe novamente, pois eu tinha perdido o convívio diário com minhas filhas. E desde o início, Valter tinha dito que eu seria a mãe do filho dele. Eu nunca sabia onde ele estava, mas com um mês de gravidez fui chamada para visitá-lo no hospital porque ele tinha sido mordido por uma cobra na cabanha. Assim que me viu, ele suspeitou da gravidez. Quando contei do bebê para minha mãe, ela aceitou que ele viesse para minha casa, mas esse plano durou só alguns dias. Descobri que, desde que tínhamos terminado, ele estava morando com outra mulher. 

Tesouro no lixo 
Uns dias antes do parto, ele ligou querendo me vender pela milésima vez um celular que eu sempre comprava para tentar ajudar e depois ele pedia de volta. Comprei mais uma vez. Ele me ligou logo depois de o Pedro nascer, queria saber se estávamos bem, mas não falou em nos visitar nem em registrar a criança. A verdade é que Valter não foi o primeiro sem-teto que passou pela minha vida. Quando conheci meu ex-marido, que hoje tem uma condição financeira muito boa, ele também morava na rua, mas por pura rebeldia. Não queria ficar com a família no interior, preferiu morar num pensionato na capital. Quando o dinheiro acabou, foi embora sem pagar e dormiu um tempo pelos parques. E isso não impediu que eu me apaixonasse. Acho que algo em mim acredita que, mesmo no lixo, existem tesouros escondidos. Valter é inteligente mas não sabe se administrar. Não me sinto capaz de julgá-lo. Se eu não tivesse minha mãe e uma boa estrutura familiar, de nada adiantaria meu curso superior, eu não conseguiria me sustentar como salário de professora. 

Pedro nasceu em 2010 e Valter, enfim, confessou que não me amava e que estava apaixonado pela nova namorada. Ela mora num apartamento alugado e tem um emprego, mas não tem muita instrução e, por isso, sentia muito ciúme de mim e do meu filho. Muitas vezes ligou me xingando, e inventou que eu tinha ligado no trabalho dela.Nesse dia, ele bebeu além da conta e resolveu tirar satisfação. Já sabia como entrar escondido em minha casa e chegou bem tarde da noite, quando eu estava no banho. Invadiu o banheiro e começou a me bater com a força de um domador de cavalos. Quando eu já estava caída, ele tirou o cadarço do tênis e disse que ia me matar. Na cabeça dele, eu estava estragando a felicidade dele com essa mulher. Chegou a pressionar o cadarço no meu pescoço, mas gritei e pedi para que parasse, pelo Pedro. Ele se assustou e me soltou. Logo depois, caiu num sono profundo, bêbado. Enquanto estava desacordado, confesso que pensei em fazer com ele o que ele queria fazer comigo. Mas não seria capaz. Senti medo de chamar a polícia e ele, mais tarde, querer se vingar. Quando acordou, me pediu muitas desculpas, chorou, disse que se sentia um fracassado e estava muito envergonhado. 

Caso de polícia 
Assustada, chamei uns amigos que me convenceram a ir a delegacia, dar parte do ocorrido e realizar o exame de corpo de delito. Assim, se acontecesse de novo, Valter seria preso. Consegui uma ordem judicial, que o impedia de se aproximar de mim 
e da minha família, e resolvi me mudar por uns tempos, para despistá-lo. Mas, mesmo depois de eu ter me mudado, o Valter invadiu minha antiga casa para dormir lá. Minha mãe chamou ajuda e conseguiu expulsá-lo. Dias depois, ele voltou, deixou rosas e um chocolate na escada da casa com um bilhete dizendo: “Lúcia, um dia eu ainda vou aprender a te respeitar”. 

Minha mãe fala dele com nojo, e os poucos amigos que sabem da história, querem que seja preso. Mas eu vejo um ser humano igual a mim, com uma vida difícil. Procurei terapia e lá consegui ver o perigo que corri e o tamanho do problema em que me meti. Claro que ele não paga pensão para o meu filho. Aos 43 anos, aluguei minha casa e voltei a morar com minha mãe. Sustento a mim e ao Pedro com o dinheiro do aluguel e o meu salário. Valter parou de incomodar e, de vez em quando, pede que eu leve o nosso filho, agora com dois anos, a algum parque para jogarem futebol. Pedro sabe quem é o pai e fiz um trato com Valter: se ele trabalhar, não contarei que era mendigo. Não sou mais ingênua a ponto de achar, como antes, que o amor resolve tudo. Mas, se coração, desejo vê-lo vivendo com dignidade, longe dos delitos e da fome.”

fonte: http://revistamarieclaire.globo.com

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“Minha namorada me salvou do alcoolismo”

“Acordei mais uma vez ao lado de uma cama que eu não reconhecia. Relances da noite anterior começaram a aparecer em minha cabeça bagunçada como fotografias incriminatórias. Eu estava derrubando taças de champanhe sobre o balcão, caindo e destruindo completamente uma caríssima escultura de gelo e vodka. Consegui voltar para a casa do meu colega sem meu agasalho e apenas com um dos meus sapatos, mas, milagrosamente, com um telefone celular. Assim, consegui chamar um táxi para me levar ao trabalho. Era quase meio dia quando encontrei com o meu chefe para lhe dizer que eu estava atrasado novamente. Mas dessa vez ele parecia tranqüilo. ‘Jeff’, ele disse calmamente, ‘é domingo’.

Se eu não fosse um redator das antigas de uma das mais conceituadas revistas masculinas do mundo eu já teria sido demitido havia muito tempo. Mas o meu trabalho consistia em me misturar com artistas de rock e modelos. Reuniões de pauta aconteciam no barzinho, eu passava meus dias na estrada com bandas de segunda ou em sessões de fotos em clubes de fetiche em Los Angeles, acontecimentos que eu resenhava para pagar minhas contas. Clubes noturnos de Ibiza, bares de hotéis americanos e festas em Londres eram meu parquinho de diversão e, durante cinco gloriosos anos, me divertia ao redor do planeta com todas as contas pagas.

Enquanto eu vivia o sonho, não tinha tempo de cuidar de mim mesmo, muito menos de uma namorada. Qualquer garota que fosse apanhada por um carro bomba que era a minha vida pessoal sairia correndo para salvar a própria vida. Isto é, até eu conhecer Claire.

Ela foi a primeira garota que conheci cuja vida não gerava em torno de bebidas grátis nas festas londrinas. Nós nos encontramos pela primeira vez num festival de música onde eu estava tentando sair da área vip com cervejas grátis, e a primeira vez em que eu a vi fiquei instantaneamente sem fôlego por causa daquele coquetel de beleza loira e charme. Claire trabalha na área de cosméticos, mas eu mal acreditava que ela era uma modelo. Fiquei nas nuvens quando ela concordou em sair comigo. Estava bêbado de desejo. 
Mas foi em um dos nossos primeiros encontros que eu percebi que havia algo de diferente entre nós. Fomos para um bar chique e pedi duas bebidas. Mas enquanto eu acabava com a minha, os cubos de gelo do copo de Claire derretiam mais rápido do que ela conseguia beber. ‘Eu não sei como você consegue beber esse negócio’, ela disse, afastando o copo dela. ‘Parece que é 100% álcool’. Na verdade era exatamente por isso que eu gostava daquilo: os ingredientes consistiam basicamente de vodka, tequila, gim e rum. Naquela época, meus quatro grupos alimentares principais. ‘Vou pedir uma taça de vinho’, disse ela educadamente, enquanto eu acabava com a bebida dela. Lembro de ter ficado bravo por ela não estar se divertindo.

Meus ‘bons tempos’, entretanto, rapidamente se tornaram ruins. Enquanto meu relacionamento com Claire se fortalecia, minha vida fugia do controle. Fui considerado ‘incapaz de voar’ antes de embarcar nos voos para a Europa para fazer uma matéria. Nunca pensei que alguém pudesse estar bêbado o suficiente para pegar um jatinho. Eles discordaram. Mais tarde, fui expulso de uma sala de imprensa internacional por ter feito uma pergunta indelicada a um pop star na frente de toda a mídia mundial. Houve momentos não tão engraçados: brigas com taxistas e discussões com celebridades. Fui hospitalizado após arrebentar meu esôfago enquanto vomitava na parede da minha sala de estar.

Em qualquer outro trabalho, minhas bizarrices teriam acabado com a minha carreira, mas, no hedonístico mundo das revistas masculinas, eu era um caso de sucesso. Ganhei cinco prêmios de jornalismo em apenas dois anos, mas consegui deixar a maioria dos troféus em banheiros.

Em 2008, um porteiro de um bar de uísque de Los Angeles conferiu a minha identidade e me desejou um feliz aniversário. Eu nem sabia em que mês estávamos. Após umas continhas de matemática, percebi que tinha feito 26 anos. Eu estava começando a ansiar por um novo modo de vida e percebi que o meu comportamento tinha deixado Claire em um estado de pânico e ansiedade.

Quanto mais próximo eu ficava de Claire, quanto mais ela fazia parte da tragédia que era a minha vida, mas preocupada se tornava. Toda vez que eu viajava a trabalho ela entrava em pânico. De algum modo, nosso relacionamento era indestrutível. Durante toda a fase ruim, a qualquer momento em que estivéssemos juntos, ela me dizia que havia encontrado a sua cara metade e que me amava demais. Eu sentia o mesmo, mas vivia uma vida dupla: algumas noites consumia coquetéis no bar; em outras, sentando no sofá assistindo DVDs com a garota que eu adorava. Eu tinha ressacas quatro dias por semana e era um namorado perfeito nos outros três. Eu sabia que ela era a tal, mas ainda não queria desistir das festas.

Aos poucos, meu corpo foi tomando a decisão por mim. Após ficar doente por causa de um trabalho, meu médico me disse que eu estava sofrendo de exaustão e depressão. Disse que diminuir minha bebedeira não iria funcionar: tinha que parar de vez. ‘Pra ser honesta, estou aliviada’, disse Claire. Mas eu não conseguia imaginar a vida sem beber. Será que eu não poderia tomar nem uma taça de champanhe no meu casamento? Ou beber uma cerveja com o meu futuro filho? Derrubado pela possibilidade de uma vida sem álcool, me joguei nas festas, convencido de que poderia ser o rei da loucura, e beber só mais ‘uma ou duas’. Como era de se prever, as conseqüências foram desastrosas.

Minha última vez foi num pub em Camden, Londres, com um amigo da época – ninguém menos do que o músico Pete Doherty – em um evento de moda. A certa altura da noite abandonei as taças e passei tomar vinho no gargalho. Mais tarde Claire viu uma foto minha pegando a cerveja de Pete e comentou: ‘Meu Deus, que situação. Doherthy parece mal também’. Aquela noite, como milhares de outras, terminou num desastre total – só que dessa vez não consegui chegar em casa. Acordei perdido e vi doze chamadas não atendidas de Claire em meu celular e uma mensagem de texto que dizia simplesmente: ‘Isso tem que parar’. E assim aconteceu. Não tomo uma gota desde aquele dia de novembro de 2008. Estou totalmente limpo já há um ano e espero que isso dure para sempre, por mais que me assuste.

Foi uma mudança total de estilo de vida, e não, não foi fácil. Eu recusava qualquer evento que incluísse bebidas grátis, evitava bares e amigos de caneca e fui morar com Claire. Para ser honesto, foi um alívio. Comida caseira, um pouco de estrutura, dormir na mesma cama todas as noites. É claro que eu tinha uma incômoda sensação de que estava perdendo um monte de festas, mas assim que anoitecia as nuvens negras que me incomodavam sumiam, e eu me sentia imediatamente melhor. Eu não desfrutava de uma boa noite de sono desde o século XX, mas de uma hora para a outra passei a dormir 14 horas por noite, e eu adoro acordar ao lado de minha bela namorada todas as manhãs, livre de resseca. As manchas escuras em volta dos meus olhos desapareceram e percebi que Claire já não chorava mais. ‘Você está ótimo’, as pessoas começaram a me dizer. Elas não conseguiam dizer por que. Eu apenas parecia... melhor.


Meus parceiros de copo não foram tão gentis. O meu melhor amigo na época parou de me ligar, o que me magoou. A maior parte dos nossos relacionamentos era baseada em grama e álcool, e eu senti que ele ficava desconfortável comigo por perto, principalmente tomando refrigerante no lugar das bebidas. A maioria dos homens pensa que é um sinal de fraqueza ou ‘um pouquinho gay’ não beber cerveja – mesmo no futebol. Uma vez num restaurante minha mão tampou automaticamente uma taça vazia de vinho, evitando aquela dose de Sauvignon Blanc. O maitre perguntou se estava doente. ‘Eu sou alérgico a álcool’, disse sorrindo. ‘Toda vez que eu bebo acabo atrás das grades’. Nas festas, as pessoas tendem a ser curiosas sobre o porquê de um cara novo não beber. ‘Acho que alguma vez você teve uma experiência realmente ruim’, disse uma garota. Ela estava certa. Só que esse alguma vez durou de 2003 a 2008. Felizmente ganhei uma segunda chance, fiquei sóbrio e salvei meu relacionamento. Claire e eu estamos cada vez mais íntimos. Nós combinamos de sempre fazer coisas legais pelas manhãs, horário em que eu normalmente estaria lutando contra uma terrível ressaca. Hoje vejo que o sacrifício valeu à pena, porque, mesmo que eu não possa tomar uma taça de champanhe no nosso casamento, pelo menos sei que há grandes chances de haver um!”

fonte: evistamarieclaire.globo.com


"Tirei meu filho do isolamento do autismo"

“Nicolas nasceu sem emitir nenhum som. O parto foi difícil, depois de um longo dia de contrações que terminou com uma cesárea. Assim que puxaram o bebê, ele não chorou. Tiveram de levá-lo para longe de mim, dar-lhe oxigênio para, só então, trazê-lo de volta. Quando o peguei no colo, ele chorava aos gritos. Foi então que comecei a falar baixinho e dizer a ele que eu era sua mãe, até que se acalmou. Foi a nossa primeira conversa. Nicolas se destacava dos outros recém-nascidos da maternidade pelo tamanho — havia nascido com 4,140 kg e 56 cm — e era um bebê lindo. Já na nossa casa em Jandira, no interior de São Paulo, arrancava elogios das visitas, que diziam: ‘Como é quietinho’.
Depois dos primeiros meses, essa característica começou a me preocupar. Nicolas tinha de ser alimentado de três em três horas, mas nunca chorava à noite para mamar. Eu é que tinha de acordá-lo. Também nunca tinha cólicas e ficava em silêncio no berço por horas, olhando para o teto. Quando tinha febre ou dor, respirava com dificuldade e essa era a única maneira de saber que estava doente. Um dia, quando ele tinha 4 meses, eu o coloquei no berço, liguei uma música e comecei a arrumar o quarto. Como tinha o hábito de conversar com ele, fui falando e, sem pensar, me peguei dizendo ‘Você não dá trabalho mesmo, hein, filho? Será que há algo errado?’. Foi a primeira vez que cogitei a hipótese de ele ter um problema.

Aos 6 meses, Nicolas olhou para mim e disse sua primeira palavra: ‘Tata’. Foi estranho o jeito que pronunciou as sílabas. Parecia correto demais. Achei que novas palavras viriam em seguida, como ‘mamãe’, ‘papai’, mas ele só voltou a falar no ano seguinte. Aos 9 meses, aprendeu a andar. Esse sinal de desenvolvimento, no entanto, contrastava com a sua falta de rea­ção a estímulos: não respondia a barulhos — a menos que fossem fortes e inesperados, o que o fazia chorar muito —, não dava atenção a pessoas que falavam com ele — para agonia das avós — e nem se mexia quando ganhava um brinquedo novo. Isso me levou a buscar na internet informações sobre autismo. Ele era pequeno demais para mostrar os sintomas clássicos, mas mesmo assim mencionei o assunto com meu marido, Alexsander, e depois com a pediatra. Alex me chamou de doida e a médica, de ‘mãe de primeira viagem’. Para reforçar, disse: ‘Seu filho é o bebê mais lindo que já vi, fique tranquila’. Aquilo não me acalmou, mas me fez pensar que talvez eu estivesse exagerando. Naquela noite, além do autismo, pesquisei também sobre uma síndrome que faz as mães fingirem que os filhos estão doentes para chamar a atenção para si. Mas eu não me via nas descrições. O que via, a cada noite de insônia passada em frente ao computador, eram semelhanças entre as atitudes de Nicolas e o autismo.

Crianças autistas podem ter pouca ou nenhuma interação com o mundo à sua volta, costumam ter fixação por assuntos específicos, têm raciocínio lógico (mas, muita vezes, inflexível) e parecem escutar apenas quando algo lhes interessa. Não há uma causa definida para a doença, mas a influência genética atualmente já é comprovada por estudos e aceita pelos médicos. Com 1 ano, Nicolas seguia regras sem contestá-las e aprendia com facilidade a diferença entre o certo e o errado. Com 1 ano e meio, expliquei a ele uma única vez como se usava o banheiro e, a partir desse dia, ele nunca mais usou fraldas. Outra coisa que ficou clara na época foi a sua paixão por objetos que giram. Ele ia sozinho até a lavanderia para assistir ao ciclo da máquina de lavar e, como também adorava o ventilador, costumava sentar-se atrás dele — eu o havia proibido de ficar de frente para o vento e ele nunca desobedecia. Quanto à fala, começou repetindo frases de desenhos animados. Ele não criava frases próprias e nem respondia às conversas. Tanto que minha mãe chegou a suspeitar que fosse surdo. Um dia, quando ela foi nos visitar, fiz o teste e falei baixinho: ‘Nicolas, olha para cá agora senão vou ficar chateada’. Ele, que estava brincando bem afastado de nós, largou o brinquedo e olhou.

Quando Nicolas completou 2 anos e meio, decidi levá-lo a uma psicóloga. Em quatro sessões, ela o diagnosticou como retardado mental e disse que jamais frequentaria a escola. Discordei, pois, em casa, ele agia com esperteza, só que do seu jeito. Ela tentou me consolar: ‘Sei que é difícil ouvir isso, você vai entrar em negação’. Depois disso, voltei a abordar o assunto com a pediatra, mas ela insistia que ele era perfeitamente normal. Troquei de médico e ouvi a mesma coisa. Quando meu filho já tinha 3 anos, tentei uma segunda psicóloga. Dessa vez foi pior. Nicolas, dizia, era mimado. ‘Quando vocês pararem de superprotegê-lo, ele vai se desenvolver’. Tentamos colocar Nicolas na escolinha, mas ele chorava do momento em que o deixávamos à hora da saída.



O diagnóstico definitivo só viria quase um ano depois, infelizmente­, por causa de uma doença. Aos 3 anos e 8 meses­, Nicolas desenvolveu uma inflamação­ nos vasos sanguíneos­ chamada Púrpura­ de Henoch-Schönlein­, que pode levar à morte­. Numa noite­, descobrimos um hematoma que cobria quase toda sua nádega e piorava­ de hora em hora. Eu perguntava­ sobre tombos­, batidas, mas não conseguia arrancar­ dele nem um ‘sim’ ou ‘não’, suas respostas habituais. No consultório­, assim que o médico o apalpou, Nicolas começou a gritar: ‘Ai meu Deus, que dor!’, com a mãozinha apoiada sobre a barriga. Houve­ correria­ na clínica quando o pediatra, que estava calmo­ até aquele­ instante, ordenou a uma das enfermeiras­: ‘Corre­ e prepara 20 ml de ...’. Nessa hora, não escutei mais nada. Segurei a mão de Nicolas e tentei­ consolá-lo, mas, na verdade­, pensava também em mim. Tive uma infância difícil numa casa com seis irmãos, e só consegui sair da pobreza­ depois de trabalhar e estudar­ muito­. Naquela época, eu e meu marido cuidávamos de nossa­ escola­ de inglês juntos e havíamos chegado­ a um patamar confortável­ de vida­. Aquela era a fase mais feliz­ da minha vida e a crise me fez ter medo­ de perder tudo.
fonte: http://revistamarieclaire.globo.com

Um comentário:

Unknown disse...

Olá Salesio ...
Boa noite...
Uma pena que ela tenha feito uma escolha errada, claro que no coração ninguém manda, mas ela tinha a opção de escolher pelo menos o pai do filho dela.
Pessoas quais vivem na rua devem ter problemas de fundo emocionais sérios, pois se ele encontrou amparo, amor e um lar para morar, abandonando tudo isto para retornar as ruas, era por que não deveria está preparado para viver uma rotina familiar. Triste caso de amor não resolvido.
Convide-me sempre e aqui estarei, para comentar e prestigiar com carinho.
Abraços sempre.
ClaraSol